sábado, 11 de julho de 2020

REALIDADES POSSÍVEIS

 

Cilene Leite de Mello

 

Através de conversas com cidadãos comuns da sociedade, levantamos informações sobre o que as pessoas estão sentindo, neste isolamento social, e o que acham que podem mudar no mundo pós-pandemia com o objetivo de pesquisa social. Após esse levantamento resolvemos registrar alguns depoimentos e comentar alguns autores que falam sobre o mesmo assunto.

Brito & Jacques relata que:

A cidade e o corpo se relacionam resultando na corpografia urbana que é a leitura da cidade pelo corpo, inteiração entre a cidade e o corpo. A corpografia seria uma espécie de cartografia realizada pelo corpo – uma experiência da memória urbana realizada e sentida pelo corpo. (Brito & Jacques, 2008, p. 79)

 

Em relação a colocação dessas autoras observamos que a fonte mais rica de percepção e sentimento em relação ao mundo é o corpo, do qual pode visualizar tudo o que acontece ao redor. Depoimentos das pessoas em geral, podem nos relatar realidades múltiplas em relação ao que estamos passando mundialmente no mundo de hoje. Essas percepções podem gerar sentimentos diversos sobre um futuro do qual um corpo, pode encará-lo de forma positiva ou negativa.

Nessa análise, o ser humano observa o mundo de forma política, social, econômica, cultural, entre outras, gerando insurgências e resistências de pensamentos, modificando muitas vezes ou reafirmando o que se pensava anteriormente a pandemia.

Vimos no depoimento de Selma Pacheco (Psicóloga – USA) a expressão de valor aos professores em relação a toda essa crise, que tem afetado as dinâmicas das escolas, gerando um novo cenário de aulas online. Em seu depoimento fala o tanto que a sociedade deveria respeitá-los e o quanto eles são importantes e dedicam grande parte de seu tempo aos nossos filhos.

Sabemos que essa classe, a cada dia tem sido desvalorizada e é uma das mais sofredoras em relação ao descaso com a falta de materiais pedagógicos, de escolas e universidades. Nesse depoimento, Selma incorpora em seu estado de mãe e avó, o sentimento de empatia. Coloca-se e experiencia o lugar de um professor, em sua família, com seus netos. Sua sensibilidade leva a perceber o que um professor passa no dia a dia com os alunos. Aí voltamos à Brito & Jacques (2008, p.79), que diz: “A corpografia é uma cartografia corporal ... parte da hipótese de que a experiência urbana fica inscrita, em diversas escalas de temporalidade, no próprio corpo daquele que a experimenta...”

Assim, podemos considerar que todos nós enquanto seres humanos temos uma parcela de contribuição com o mundo, em fazer com que ele seja melhor, ou pior. Precisamos avaliar, enquanto cidadãos, e nos perguntar: qual está sendo a minha postura em relação a todo o caos que o mundo passa? qual é a minha contribuição para que ele seja melhor? Diante do sofrimento, tenho melhorado ou piorado meus conceitos e valores?

Diante dessa revisão interna, posso dar uma palavra de libertação ou opressão ao mundo, de melhoria, ou de continuidade do caos.

A visão de Brito e Jacques (2008) colocada no início do texto, referente ao relacionamento da cidade e do corpo é expressada através das multivisões colocadas por diversos autores como Giorgio Agamben,  Slavoj ŽiŽek, Jean Luc Nancy, Franco “Bifo” Berardi, Santiago López Petit, Judith Butler, Alain Badiou, David Harvey, Byung-Chul Han, Raúl Zibechi, María Galindo, Markus Gabriel, Gustavo Yañez González, Patricia Manrique e Paul B. Preciado  que tem escrito uma variedade de artigos, nesse ano (2020).

Essas escritas refletem as experiencias que um corpo pode ter na vivência de uma cidade, de um local. Cada autor escreveu uma percepção diferente da pandemia.

 Uma das percepções é lembrarmos que já passamos por várias epidemias e que essa não é a primeira. Já vivenciamos epidemias virais como a AIDS, gripe aviária, Ebola, SARS-1 e vários tipos de gripes e tuberculoses.

Davis diz:

 

“... o verdadeiro nome da epidemia em curso deve su­gerir que, num certo sentido, estamos a lidar com “nada de novo sob o sol contemporâneo”. Seu nome é SARS-2, ou seja, “Síndrome Respiratória Aguda Grave – 2”, um nome que assinala a “segunda vez” desta identificação, após a epidemia da SARS-1, que se espa­lhou por todo o mundo na Primavera de 2003.” (apud BODIOU, 2020, p. 35)

 

Bordiou (2020) comenta que “na época foi chamada de primeira doença desconhecida do século XXI e dirige à critica as autoridades que não deram importância em canalizar financiamentos que fossem investidos na medicina para a prevenção da tal doença”. Fala também sobre aqueles que preferem atribuir a esse evento um “pessimismo apocalíptico”. E comenta ainda sobre os modos de proceder do ser humano que está retornando aos “costumes” da Idade Média:

“Parece que o desafio da epidemia está em toda parte dissipando a atividade intrínseca da Razão, obrigando os sujeitos a retornar àqueles efeitos lamentáveis – misticismo, fabulação, oração, profecia e maldição – que eram habituais na Idade Média quando a peste varreu a terra. ” (DAVIS apud BODIOU, 2020, p. 37)

 

 

Berardi (2020) prefere focar a pandemia relacionando-a a questões econômicas responsabilizando o capitalismo.

 

El capitalismo es una axiomática, es decir, funciona sobre la base de una premisa no comprobada (la necesidad del crecimiento ilimitado que hace posible la acumulación de capital). Todas las concatenaciones lógicas y económicas son coherentes con ese axioma, y nada puede concebirse o intentarse por fuera de ese axioma. No existe uma salida política de la axiomática del Capital, no existe um lenguaje capaz de enunciar el exterior del lenguaje, no hay ninguna posibilidad de destruir el sistema, porque todo proceso lingüístico tiene lugar dentro de esa axiomática que no permite la posibilidad de enunciados eficaces extrasistémicos.[1] (BERARDI, 2020, p. 40)

 

Zizek (2020) comenta que “o coronavírus está perturbando cada vez mais o bom funcionamento do mercado mundial, e diz que o crescimento econômico está caindo em cerca de 2 ou 3%.” Nesse discurso, percebe-se a preocupação econômica que repercute em cima de um vírus, e ainda nos questiona se essa pandemia não nos mostra que precisamos de “uma reorganização na economia global para que ela não fique mais à mercê dos mecanismos de mercado, reconhecendo um colapso do capitalismo global.

Devido a economia estar decaindo, os governantes mundialmente tem se focado nas questões capitalistas, preocupando-se com o mercado financeiro e o déficit de consumo.

Badiou (2020) defende a ideia de que o vírus possa ter tido a origem em Wuhan, que, como sendo um centro de produção importante, haveria repercussão econômica global.

 

Por ejemplo, el punto inicial de la epidemia actual se sitúa muy probablemente en los mercados de la provincia de Wuhan. Los mercados chinos todavía son conocidos por su peligrosa suciedad y por su incontenible gusto por la venta al aire libre de todo tipo de animales vivos amontonados. Por tanto, el virus se encontró en algún momento presente, en una forma animal legada por los murciélagos, en um ambiente popular muy denso y con una higiene precaria. (BADIOU, 2020, p. 67) [2]

 

Vários são os pareceres de estudiosos diante dessa crise do vírus COVID-19. Alguns canalizam para aspectos sociais, outros para a indústria farmacêutica, para o colapso do sistema público de saúde, bem como o vírus ser de procedência de locais mal higienizados como desenvolvido em laboratório, até mesmo para a questão do consumismo.

São diversas as discussões, mas a sociedade em geral tem se preocupado com as seguintes perguntas: como será a humanidade pós-pandemia? Quais serão seus efeitos culturais e sociais?

Mércia Souza, no vídeo abaixo, que é corretora de imóveis na Florida (EUA), comenta sobre a questão do mercado imobiliário pós pandemia, e emite a sua experiência enquanto corpo em um local.

Ela ressalta que a população está aprendendo a fazer compras no mercado imobiliário de forma virtual. Os clientes pedem a eles, que façam imagens e vídeos dos imóveis e os envie para a efetivação da compra. E as vendas estão acontecendo mesmo com toda a pandemia. Assim, a expectativa da corretora, é que após toda essa crise, as vendas aumentarão e o comprador/vendedor contará com mais essa ferramenta: vendas/compras online de imóveis também.

A fala de Mércia contradiz a colocação de Bodiou colocada no início do texto, onde disse que “a pandemia estaria obrigando os sujeitos a retornar àqueles efeitos lamentáveis – misticismo, fabulação, oração, profecia e maldição – que eram habituais na Idade Média” (DAVIS apud BODIOU, 2020, p. 37) declarando que os sujeitos estão em processo de evolução e a cada dia mais concebendo as ferramentas tecnológicas para o seu uso no dia a dia.

Gilmar Freitas, capelão, lamenta sobre aos seus serviços de capelania quanto ao método de visitação, que agora, tem que apelar para o telefone para continuar suas orientações aos pacientes terminais que aconselha. Uma nova realidade ele espera após a pandemia, onde possa manter novamente o contato com os mesmos.

Os testemunhos dados nos vídeos nos mostram as experiências e visões que as pessoas podem ter em relação ao mundo. E que cada ser humano tem uma relação social e cultural por si mesmo.

 

REFERÊNCIAS:

DAVIS, Mike, et al: Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos: Brasil, 2020, 48 P.

 

BADIOU, Alain. Sobre lá Situacion Epidêmica. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporâneo em Tiempos de Pandemias. ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio). Marzo, 2020.

BERARDI, Franco “Bifo”. Cronica de la psicodeflacion. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporâneo em Tiempos de Pandemias. ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio),    Marzo, 2020.  Publicado en Nero editions, con traducción de Emilio Sadier, 19 de marzo, 2020.

BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. Cenografias e Corpografias Urbanas: um diálogo sobre as relações entre corpo e cidade. Volume 7, edição especial (2008). Cadernos PPG-AU (UFBA), 

 



[1] O capitalismo é um axiomático, ou seja, trabalha com base em uma premissa não comprovada (a necessidade de crescimento ilimitado que possibilita a acumulação de capital). Todas as concatenações lógicas e econômicas são consistentes com esse axioma, e nada pode ser concebido ou tentado fora desse axioma. Não há saída política do axiomático do Capital, não há linguagem capaz de enunciar o exterior da linguagem, não há possibilidade de destruir o sistema, porque todo processo linguístico ocorre dentro desse axiomático que não permite a possibilidade de afirmações efetivas extrassistêmico.

[2]
Por exemplo, o ponto de partida da atual epidemia é provavelmente nos mercados da província de Wuhan. Os mercados chineses ainda são conhecidos por sua sujeira perigosa e por seu gosto irreprimível à venda ao ar livre de todos os tipos de animais vivos empilhados. Então o vírus foi encontrado em algum momento, em forma animal, legada por morcegos, em ambiente popular muito denso e com falta de higiene.




 



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