Naiane Silva Gonçalves
Após
a chegada da COVID-19 no Brasil, diversas mudanças aconteceram, já são mais de
100 dias de isolamento social, na qual, muitas pessoas foram impactadas e
tiveram suas rotinas transformadas. Todavia, o período é de profunda reflexão,
não parece que o mundo será mais o mesmo depois dessa pandemia. Como enfrentar
essa crise histórica? O poder transformador do vírus, obviamente gera medos e
incertezas, a pressão em relação as finanças vêm acompanhada de ansiedade na
vida de muitos brasileiros, alguns dados refletem o que muitos médicos e
psicólogos já vem alertando, uma epidemia de transtornos psicológicos. A crise
epidemiológica será superada, mas a aparência desse vírus já mudou irreparavelmente
nossos estilos de vida, realidades sociais e equilíbrios geopolíticos.
Em
meio à pandemia e durante o período de isolamento social em que estamos
vivendo, foi proposto um trabalho para nós, alunos do programa de Pós-Graduação
em Estudos de Cultura Contemporânea, da disciplina de Poéticas I Atrações
temporárias estéticas emergentes na Cidade. O objetivo do trabalho é organizar
em vídeos, depoimentos de pessoas que pensam em “MUNDOS POSSÍVES”. Para
Lazzarato (2006), as possibilidades ou “campo de possíveis”, está ligado a um
acontecimento como ponto focal de invenção social, de criação de mundos
possíveis, momento de inauguração do processo de experimentação. A invenção e
criação provocam novas possibilidades.
O acontecimento nos faz ver aquilo que uma época tem de intolerável, mas
faz também emergir novas possibilidades de vida. Essa nova articulação de
possibilidades e desejos, inaugura, por sua vez, um processo de experimentação
e de criação. (LAZZARATO, 2006, p. 12).
Diante dessa situação, muitas pessoas se
viram desafiadas a repensar seus estilos de vida e principalmente a maneira de
trabalhar. O ator Marcio Campos Borges, em seu depoimento, compartilhou suas
aflições e expectativas, e como o meio artístico foi afetado nesse período tão
delicado, tendo que se adaptar ao campo digital. No contexto da pandemia, o
digital parece se transformar no principal lugar de relações e reinvenção,
sendo a alternativa de sobrevivência não só dos artistas, mas de muitos
profissionais.
Já o ator Maycon Castrovicky,
em seu depoimento, compartilhou seus medos e aflições enquanto corpo negro, tendo
em conta que a vulnerabilidade da população negra em meio a pandemia é explícita.
Para arquiteta e urbanista Joice Berth, o que vem ocorrendo no Brasil desde
março é o encontro de dois vírus: o da covid-19 e o da negligência do poder
público, haja vista que a crise da saúde e a crise sanitária, está esbarrando
nas questões territoriais, onde a má distribuição e divisão da cidade deixa
explicito o descaso do Estado. As periferias e favelas são alternativas de
moradias das camadas atingidas pela pobreza, sendo também, o lugar onde existe a
maior concentração de negros. Como cumprir o isolamento social nas favelas, se
não há condições mínimas de habitabilidade que é necessária para uma moradia
digna? Então, qualquer doença que atingir esses espaços serão muito mais graves
do que em áreas nobres. A Urbanista Ermínia Maricato, relata que a arquitetura
da desigualdade está se aprofundando nos últimos anos, onde há um esmagamento
das mulheres e dos negros, essa desigualdade urbana, traz desencanto e solidão,
no qual ela classifica como um estado de melancolia coletiva. Outra
problemática são as operações policiais, o ator Maykon Castrovicky,
compartilhou em seu depoimento, fragmentos do texto Buraquinhos ou o Vento é
Inimigo do Picumã, do dramaturgo Jhonny Salaberg, onde descreve a saga pela
sobrevivência de um garoto negro. O texto traz uma narrativa sobre a tragédia
ordinária de jovens negros nas periferias do Brasil. A letalidade entre pessoas
negras é maior, mesmo no momento de isolamento a favela não tem paz, como é o
caso recente do garoto João Pedro Mattos de 14 anos, assassinado em uma
operação policial no Rio de Janeiro. Maycon Castrovicky, conclui seu vídeo,
questionando o movimento antirracista que surgiu recentemente nas redes sociais
por diversos grupos. E você, que se diz antirracista, está preparado para
enfrentar essa luta depois da pandemia?
Schwarcz (2020) reflete sobre
a expressão
“novo normal” que tem sido muito utilizada para definir o que estamos vivendo e
como iremos nos readequar depois dessa pandemia. O termo vem sendo utilizado
durante algum tempo para demonstrar a forma como a sociedade se reinventa
diante de períodos de crises de ordem política, militar, econômica ou
sanitária. No entanto, a autora questiona a narrativa desse termo, nos trazendo
uma reflexão sobre as nossas confortáveis certezas de um “mundo melhor”, onde
em momentos de crise nossa consciência cívica aumenta, e começamos a sonhar melhor
e se solidarizar mais. Porém, frases como: não viajaremos tanto, não
compraremos tantas roupas, cozinharemos mais e compraremos menos fast-food,
seremos menos consumistas. Essas citações correspondem a qual realidade? É
importante refletirmos e repensarmos em um mundo melhor, todavia, mais
importante ainda é estarmos cientes dos nossos privilégios e que citações como
essas, fazem parte apenas de um determinado grupo social.
A possibilidade de um mundo melhor, é também a
possibilidade de pensar sobre a priorização de cada ser humano nas suas esferas
sociais, romper os muros da segregação, dar voz aos oprimidos e vulneráveis na
luta política, e permitir que a esperança se faça presente não só nos grupos privilegiados.
E que essa esperança venha acompanhada de luta por igualdade. Já dizia Paulo
Freire:
É preciso ter esperança. Mas tem de ser esperança
do verbo esperançar”. Por que isso? Por que tem gente que tem esperança
do verbo esperar. Esperança do verbo esperar não é esperança, é espera.
“Ah, eu espero que melhore, que funcione, que resolva”. Já esperançar é ir
atrás, é se juntar, é não desistir. É ser capaz de recusar aquilo que apodrece
a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras. Esperança é a
capacidade de olhar e reagir àquilo que parece não ter saída. Por isso, é muito
diferente de esperar; temos mesmo é de esperançar!
Estamos enfrentando e ainda
iremos enfrentar grandes desafios, e apesar de toda essa fragilidade, acredito
que as lições são transformadoras. Por meio do esforço coletivo a condição de
um MUNDO POSSÍVEL pós-pandemia será mais próxima do alcançável, onde possamos
vencer as mazelas sociais com todos os seus desafios. Por fim, o ator Ismael
Diniz, em seu vídeo, fez a interpretação da reflexão de Chico Xavier, sendo um
acalento em tempos tão sombrios.
A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos. A gente pode dormir numa cama mais ou menos, comer um feijão mais ou menos, ter um transporte mais ou menos, e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro.A gente pode olhar em volta e sentir que tudo está mais ou menos.
TUDO BEM! O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum. É amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos. Chico Xavier.
Referências Bibliográficas
BERTH, Joice. Mobilização de Comunidades é o resultado do abandono político. Portal Geledés, 2020. Disponível em: https://www.geledes.org.br/tag/joice-berth/ Acesso em 13 de Julho de 2020.
LAZZARATO, M. (2006), As Revoluções do Capitalismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
MARICATO,
Ermínia. Melancolia na Desigualdade Urbana. Observatório das Metrópoles.
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, 2017. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/melancolia-na-desigualdade-urbana-erminia-maricato/
Acesso em 06 de julho de 2020.
SCHWARCZ,
Lilia Moritz. De Perto Ninguém é Normal (ou o Novo Normal). Gama
Revista, 2020. Disponível em: https://gamarevista.com.br/sociedade/de-perto-ninguem-e-normal-ou-o-novo-normal/ Acesso em 20 de junho de
2020.
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