Por: Julia Gabriella Nogueira Munhoz
O ano de 2020 historicamente será marcado pelas mudanças geradas pela
pandemia do novo coronavírus. No Brasil, essa transformação social começou mais
precisamente no final do mês de fevereiro e ainda se estende, sem previsão de
término e com impactos que ultrapassam o sistema de saúde, mas abrange causas
sociais, educação, política e cultura.
O poder de afetação da pandemia da COVID-19 pode ser observado, de forma
gradativa, através de depoimentos e intervenções sociais, por meio das novas
formas de se relacionar e comunicar em coletivo. Trata-se de um Acontecimento
que mudou a realidade das cidades e gera inquietação. Despertou maior solidariedade
e, em contrapartida, evidenciou diferenças sociais. Para Quéré (2012), o Acontecimento
pode ser encontrado em diferentes formas na experiência humana, rompendo a
normalidade e levando-nos a nos adaptar.
“Existem
mudanças e emergências que enfrentamos em suas qualidades imediatas e sua força
brutal – elas são abordadas pela experiência direta. Estamos submetidos as suas
condicionantes, à sua insistência e resistência; vamos “avaliá-las” positiva ou
negativamente; e vamos adaptar-nos a elas. Trata-se então de reações
espontâneas baseadas nos hábitos, na percepção direta e na emoção” (QUÉRÉ,
2012, p.24)
Vivemos pelas expectativas do que ainda está por vir e em meio às
incertezas de quando a pandemia será superada, mas convictos de que o modo de vida,
o corpo, o outro, as cidades, a cultura, a comunicação, não vivenciam uma nova
normalidade, o que há é um mundo repleto de possíveis e novos significados.
Nessa perspectiva, diante do quadro de isolamento social, crise de
valores e processos de mudança, o Programa de Pós-Graduação de Estudos de
Cultura Contemporânea, da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT),
organizounos meses de junho e julho de 2020,um novo formato de intervenção
urbana denominada “Mundo Possível Pós-Pandemia”,com o objetivo de realizar uma
reflexão entre a ação coletiva, o conteúdo teórico e o Acontecimento.
A intervenção urbana, desta vez, por conseqüência da pandemia também foi
readaptada para o meio digital, com uma série de registros, em vídeo, nas redes
sociais com depoimentos de acadêmicos, professores, estudantes do ensino médio
e crianças sobre desejos e sonhos de uma vida possível, um mundo possível.
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (PPGEL) da Universidade Federal de Mato
Grosso, Leandro Nascimento tem esperança de que a pandemia resgate valores da
humanidade que estão se perdendo ao longo dos anos.
“Quando
eu penso onde ou o que está mudando, primeiro aspecto eu gostaria que mudasse
essa questão do caráter humanitário, que os valores humanos retornassem, porque
hoje parecem que estão sendo perdidos com o tempo. É difícil você pensar que os
valores humanos retornarão uma vez que os indivíduos não estão dispostos a
isso, porque cada um só quer saber de defender sua posição, seu lado. Sem levar
em conta o lado do outro”. (depoimento coletado pela mestranda Julia Munhoz.
Sinop, julho de 2020).
Uma reflexão que vai de encontro às definições de Lazzarato (2006)
quanto as possibilidades de vida, que emergem de um mundo globalizado dominado
pela economia e capitalismo.
“[...]
encontramo-nos hoje diante de uma nova situação: as individualidades e as
coletividades não são mais o ponto de partida, mas o ponto de chegada de um
processo aberto, imprevisível, arriscado, que deve ao mesmo tempo criar e
inventar estas mesmas individualidades e coletividades” (LAZZARATO, 2006, p. 28).
Professor da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), Alceu Zoiaé
doutor em Educação e acredita que a pandemia despertou um olhar diferenciado ao
Outro, gerando proximidade. Na Educação, ele acredita que foi necessário se
reinventar. Professores estão se readaptando a uma nova realidade de ensino,
mas isso expôs uma desigualdade que ainda era silenciosa entre estudantes.
“Isso
mostrou que temos uma desigualdade muito grande. Muitas pessoas não têm acesso
a essas tecnologias para acompanhar essas informações. Muito estudantes não têm
se quer um celular que possam receber os conteúdos. Isso acentua as
desigualdades existentes no Brasil. Aquele que tem mais condições acaba tendo
mais condições de se informar, de receber essa educação através das
tecnologias”. (depoimento coletado pela mestranda Julia Munhoz.Sinop, julho de
2020).
Diante do
exposto, de acordo com, Magnavita (2012) “reconhecer a riqueza e potencialidade
das novas tecnologias e que, dependendo da criatividade daqueles que as usam,
elas podem se tornar instrumento de resistência ao controle social existente”.
Nessa pequena reflexão, com o olhar dos personagens
citados, temos que o grande poder de afetaçãocausado pela pandemia proporcionou
reflexões a cerca de inúmeros aspectos sociais, culturais e cotidianos para que
o Outro seja olhado com mais cuidado e atenção.
Referências:
FRANÇA, Vera; OLIVEIRA, Luciana. Acontecimento: reverberações. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.
QUÉRÉ, Louis,. A dupla vida do acontecimento: por um realismo pragmatista. In: FRANÇA, Vera; OLIVEIRA, Luciana. Acontecimento: reverberações.Belo Horizonte: Autêntica Editora p.24, 2012.
LAZZARATO, M. (2006), As Revoluções do Capitalismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
MAGNAVITA, P. R. Cidade, Cultura, Corpo e Experiência. ReDObRa, v. 10, p. 27-32, 2012.
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