terça-feira, 14 de julho de 2020

Reflexões, Acontecimentos, Pandemia: as expectativas de um mundo pós-COVID-19

Por: Julia Gabriella Nogueira Munhoz 

O ano de 2020 historicamente será marcado pelas mudanças geradas pela pandemia do novo coronavírus. No Brasil, essa transformação social começou mais precisamente no final do mês de fevereiro e ainda se estende, sem previsão de término e com impactos que ultrapassam o sistema de saúde, mas abrange causas sociais, educação, política e cultura.
O poder de afetação da pandemia da COVID-19 pode ser observado, de forma gradativa, através de depoimentos e intervenções sociais, por meio das novas formas de se relacionar e comunicar em coletivo. Trata-se de um Acontecimento que mudou a realidade das cidades e gera inquietação. Despertou maior solidariedade e, em contrapartida, evidenciou diferenças sociais. Para Quéré (2012), o Acontecimento pode ser encontrado em diferentes formas na experiência humana, rompendo a normalidade e levando-nos a nos adaptar.
“Existem mudanças e emergências que enfrentamos em suas qualidades imediatas e sua força brutal – elas são abordadas pela experiência direta. Estamos submetidos as suas condicionantes, à sua insistência e resistência; vamos “avaliá-las” positiva ou negativamente; e vamos adaptar-nos a elas. Trata-se então de reações espontâneas baseadas nos hábitos, na percepção direta e na emoção” (QUÉRÉ, 2012, p.24)

Vivemos pelas expectativas do que ainda está por vir e em meio às incertezas de quando a pandemia será superada, mas convictos de que o modo de vida, o corpo, o outro, as cidades, a cultura, a comunicação, não vivenciam uma nova normalidade, o que há é um mundo repleto de possíveis e novos significados.
Nessa perspectiva, diante do quadro de isolamento social, crise de valores e processos de mudança, o Programa de Pós-Graduação de Estudos de Cultura Contemporânea, da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT), organizounos meses de junho e julho de 2020,um novo formato de intervenção urbana denominada “Mundo Possível Pós-Pandemia”,com o objetivo de realizar uma reflexão entre a ação coletiva, o conteúdo teórico e o Acontecimento.
A intervenção urbana, desta vez, por conseqüência da pandemia também foi readaptada para o meio digital, com uma série de registros, em vídeo, nas redes sociais com depoimentos de acadêmicos, professores, estudantes do ensino médio e crianças sobre desejos e sonhos de uma vida possível, um mundo possível.
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (PPGEL) da Universidade Federal de Mato Grosso, Leandro Nascimento tem esperança de que a pandemia resgate valores da humanidade que estão se perdendo ao longo dos anos.
“Quando eu penso onde ou o que está mudando, primeiro aspecto eu gostaria que mudasse essa questão do caráter humanitário, que os valores humanos retornassem, porque hoje parecem que estão sendo perdidos com o tempo. É difícil você pensar que os valores humanos retornarão uma vez que os indivíduos não estão dispostos a isso, porque cada um só quer saber de defender sua posição, seu lado. Sem levar em conta o lado do outro”. (depoimento coletado pela mestranda Julia Munhoz. Sinop, julho de 2020).

Uma reflexão que vai de encontro às definições de Lazzarato (2006) quanto as possibilidades de vida, que emergem de um mundo globalizado dominado pela economia e capitalismo.
“[...] encontramo-nos hoje diante de uma nova situação: as individualidades e as coletividades não são mais o ponto de partida, mas o ponto de chegada de um processo aberto, imprevisível, arriscado, que deve ao mesmo tempo criar e inventar estas mesmas individualidades e coletividades” (LAZZARATO, 2006, p. 28).

Professor da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), Alceu Zoiaé doutor em Educação e acredita que a pandemia despertou um olhar diferenciado ao Outro, gerando proximidade. Na Educação, ele acredita que foi necessário se reinventar. Professores estão se readaptando a uma nova realidade de ensino, mas isso expôs uma desigualdade que ainda era silenciosa entre estudantes.
“Isso mostrou que temos uma desigualdade muito grande. Muitas pessoas não têm acesso a essas tecnologias para acompanhar essas informações. Muito estudantes não têm se quer um celular que possam receber os conteúdos. Isso acentua as desigualdades existentes no Brasil. Aquele que tem mais condições acaba tendo mais condições de se informar, de receber essa educação através das tecnologias”. (depoimento coletado pela mestranda Julia Munhoz.Sinop, julho de 2020).

Diante do exposto, de acordo com, Magnavita (2012) “reconhecer a riqueza e potencialidade das novas tecnologias e que, dependendo da criatividade daqueles que as usam, elas podem se tornar instrumento de resistência ao controle social existente”.
            Nessa pequena reflexão, com o olhar dos personagens citados, temos que o grande poder de afetaçãocausado pela pandemia proporcionou reflexões a cerca de inúmeros aspectos sociais, culturais e cotidianos para que o Outro seja olhado com mais cuidado e atenção.


Referências:
FRANÇA, Vera; OLIVEIRA, Luciana. Acontecimento: reverberações. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

QUÉRÉ, Louis,. A dupla vida do acontecimento: por um realismo pragmatistaIn: FRANÇA, Vera; OLIVEIRA, Luciana. Acontecimento: reverberações.Belo Horizonte: Autêntica Editora p.24, 2012.

LAZZARATO, M. (2006), As Revoluções do Capitalismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.


MAGNAVITA, P. R. Cidade, Cultura, Corpo e Experiência. ReDObRa, v. 10, p. 27-32, 2012.






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